Segunda classe

Imagem de Raul Bopp

Poema de Raul Bopp



Trem. Trem trem pela noite adentro,
furando a serra.

Gente amontoada nos bancos
cochilando, roncando,
entre malas e trouxas de roupa.

Um cego humilde
corre os beiços numa gaitinha de boca.
Acordes se misturam com choros de criança.
Tlec Tlec-lec

A locomotiva chia chia chia,
vencendo rampas.

Um apito comprido
anuncia qualquer coisa que vai chegar.

Estaçãozinha.

Entra um passageiro enfiado num poncho.
Vultos sonâmbulos
descarregam tambores do vagão de carga
e metem nele cestas inchadas de frutas.

As luzes verdes das lanternas se respondem.
O trem vai partir.
Apita:
Uúu

Na gare mal acordada
ouço um resto de conversa anônima num banco:

- Entonces le dieran un tiro nel ojo
y después lo caparan.
- Pobrecito!




Fonte: "Poesia completa de Raul Bopp", José Olympio Editora, 2014.
Originalmente publicado em: "Diábolus", Cadernos Brasileiros,Rio de Janeiro, 1967.