Sevilha ao telefone

Imagem de João Cabral de Melo Neto

Poema de João Cabral de Melo Neto



Falo a Sevilha: ao telefone.
Ela, a qualquer hora do dia.
Falo até quando ocupado,
e está quase sempre Sevilha.

Falo mesmo quando ela dorme
(ah! poder despertar Sevilha!),
porque sei sempre quem está
no extremo da linha vazia:

é um vazio vivo, habitado
por todo zumbir que é Sevilha
mesmo dormida de todo:
o que é muito pouco por dia.

Ligo o telefone e espero:
melhor se não o atendessem.
Então, é o respirar recado:
fala-me dormindo, e entendo

e me diz tudo o que acordada
por puro pudor não diria:
"Não imagines que sou menos
porque agora estou dormida;

tanto dormindo entre lençóis,
ou no telefone abstraída,
te respondo em mulher inteira,
mais que qualquer outra, Sevilha."




Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Sevilha andando", Editora Nova Fronteira, 1989.