O rio


Poema de Ricardo Gonçalves



Rio sonoro que as planícies banha
E enche de rumorejos a floresta -
Foi seu berço uma rocha na montanha,
Teve uma origem simples e modesta.

Era, em começo, um tímido regato
De meiga voz e de água cristalina:
Desalterava os pássaros no mato,
Beijava o caule às flores na campina.

As andorinhas leves e graciosas
Molhavam na corrente as asas pretas
E roçavam por ele, buliçosas,
Numa doce carícia, as borboletas.

Vez em vez, uma inquieta saracura,
Saindo, cautelosa, do brejal,
Da sua face luminosa e pura
Mirava-se no límpido cristal.

Assim cresceu, e agora, sem descanso,
Rega os campos, fecunda as plantações
E ora coleia preguiçoso e manso,
Ora estronda em profundos boqueirões.

E rubro - quando o sol tinge o horizonte,
Alvo - do plenilúnio à luz tranquila,
Marulha sob os arcos de uma ponte,
Reflete as casas brancas de uma vila.

Leva a abundância ao lar dos pescadores,
Move engenhos, carrega embarcações,
E deslisa entre bençãos e louvores,
Através de cidades e sertões.




Fonte: "Ipês", Monteiro Lobato & Cia, 1921.
Originalmente publicado em: "Ipês", Monteiro Lobato & Cia, 1921.