Solidão

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Poema de Gilka Machado



Sou tão tu, és tão eu
que te parece
a solidão a minha companhia;
minha voz é tua ideia em melodia;
meu gesto teu desejo em atitude;
se o amor não nos tornou
a ambos perfeitos,
adquiriste todos meus defeitos,
cheguei a assimilar tua virtude.

Sou tão tu, és tão eu que, inutilmente,
procuro uma aparência diferente
para atrair teu ausente
olhar:
teus olhos me olham
para além de minha forma
e estão exaustos
de minha alma contemplar.

Sou tão tu,
és tão eu,
de tal maneira
do afeto o mimetismo nos iguala,
que é uma inutilidade
nossa fala,
e, em vão,
tentamos a conversação:
ouvimos mutuamente o pensamento,
não nos restando,
para tanto tédio,
o supremo remédio
da traição.

Sou tão tu,
és tão eu,
sinto-te preso
a mim
como a alma à carne,
a ideia à mente,
preso, mas numa ausência de desprezo.

Meus sentidos já te sabem de cor,
e, embora anseie algo de diferente,
do que tu, meu Amor, nada creio melhor.

Sou tão tu,
és tão eu,
somos iguais
de tal maneira
que já nem percebes
quando vens para mim,
quando de mim te vais.

Nossas horas de união
se fizeram tão tristes
que a elas me vem a sensação do nada,
que a elas, às vezes, angustiada,
quisera ser por ti brutalmente espancada;
quisera te ferir
para saber se existes.

Oh! tortura do sonho realizado!
assim juntos estamos tão sozinhos
como se nunca
nos houvéssemos encontrado.




Fonte: "Sublimação", Editora Typo Baptista de Souza, 1938.
Originalmente publicado em: "Sublimação", Editora Typo Baptista de Souza, 1938.