Angústia

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Poema de Gilka Machado



A noite vem,
muda e serena,
como a agonia
de uma esperança;
há um verde impreciso
na água,
nas frondes,
no ar,
um verde vago,
de alegria doente,
um verde estranho
em transfiguração.

Emaciados de langores,
meus membros pedem
espreguiçamentos...
há pedaços de meu corpo
que não sinto,
que adormeceram
não sei onde.

Estou triste,
muito triste!
e (oh! meu humano egoísmo!)
que vontade de saber de muitas dores
para esquecer as minhas,
que ânsia de penetrar
pocilgas e choupanas,
de inquirir os miseráveis,
de aconselhá-los,
de animá-los,
de chorar também
com eles!...

Em minha glória
paira a mágoa das montanhas,
o desespero silencioso
dos cumes:
vivo, entre o céu e o oceano,
aflita e queda,
sem me poder confundir com as vagas
que turbilhonam
lá em baixo,
sem me poder misturar com as nuvens
que se transfundem
lá em cima.

A noite chega
irradiando estrelas
no éter,
na cidade que se ilumina,
nas águas que fosforeiam,
nas estradas flamejantes de mica,
nos moites onde piscam
pirilampos...

E que desejo de queimar-me toda
nas brasas desta noite incandescente!...
Desejo de rolar pelas alturas,
de despenhar-me pelos abismos,
de fragmentar
alma e corpo
nas lâminas das luzes
do céu
e da terra!...




Fonte: "Sublimação", Editora Typo Baptista de Souza, 1938.
Originalmente publicado em: "Sublimação", Editora Typo Baptista de Souza, 1938.