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Poema de Gilka Machado



Tuas mãos são quentes, muito quentes
(mas que arrepios,
minha carne, sentes,
aos seus macios
dedos!...); tuas mãos são muito quentes,
mas teus afagos me parecem frios
como os esguios
corpos das serpentes.

Mãos leves, mãos fagueiras,
que por minha epiderme vêm e vão,
num afã de rendeiras,
através de horas inteiras
de serão.
Mãos leves, mãos fagueiras,
que tramam rendas verdadeiras
na minha sensação.

Por essas mãos é que me dizes
todas as coisas
que não ousas
dizer com a fala,
as confidências que teu lábio cala
aos meus ouvidos infelizes.

Com essas mãos que, de volúpia, abrasa,
prendeste um dia minha mão:
- que desespero de asas! -
tua mão
me magoara o coração.

Meu corpo todo, no silêncio lento
em que me acaricias,
meu corpo todo, às tuas mãos macias,
é um bárbaro instrumento
que se volatiliza em melodias...
e, então, suponho,
à orquestral harmonia de meu ser,
que teu grandioso sonho
diga, em mim, o que dizes sem dizer.

Tuas mãos acordam ruídos
na minha carne, nota a nota, frase à frase;
colada a ti, dentro em teu sangue quase,
sinto a expressão desses indefinidos
silêncios da alma tua,
a poesia que tens nos lábios presa,
teu inédito poema de tristeza,
vibrar,
cantar,
na minha pele nua.



Fonte: "O grande amor", 1928.
Originalmente publicado em: "O grande amor", 1928.


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