Olhos pérfidos
Poema de Gilka Machado
Olhos da triste cor dos ambientes mortuários,
onde paira uma luz de círio a tremular;
eu um dia supus que fosseis dous alveários,
porque havia um sabor de mel no vosso olhar.
Como no espelho arcual de pútridos aquários
à noute se reflete o fulgor estrelar,
a vossa podridão, olhos fatais e vários,
vem, às vezes, um lume estranho iluminar.
Vejo, se em vosso todo acaso o olhar afundo,
que, em vós, como no horror de um lodaçal imundo,
geram-se ocultamente os micróbios de um mal.
E eu, que buscava abrigo à alma desiludida,
toda me untei de lodo, infeccionando a vida,
ao contágio da vossa emanação letal!
Fonte: "Cristais Partidos", Gráfica Revista dos Tribunais, 1915.
Originalmente publicado em: "Cristais Partidos", Gráfica Revista dos Tribunais, 1915.