Luar de inverno

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Poema de Gilka Machado



Projeta-se na treva a amarelada chama
da Lua que parece um círio a se esgotar;
um luar de cera se derrama...
ceroso torna-se todo o ar.

Da tristeza interior do meu sonho, contemplo
a noite aberta como um templo abandonado,
um carcomido templo.
Do céu na larga abóbada ogival,
fulge, de lado a lado,
o lume das estranhas
pupilas de policromas aranhas
que abrem por toda a altura os olhos de cristal.

Fina
neblina,
pelos espaços,
em fios frios, em fluidos traços,
passa,
perpassa,
o ar embaraça,
a luz da Lua tornando baça.

Todo o ambiente arrefece,
faz tanto frio que o corpo sente
um tremor persistente...
De quando em quando,
do céu sombrio,
uma aranha escorregando, lentamente,
por um fio
luzidio
desce...
- atravessa o infinito uma estrela cadente.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Embevecida e queda,
fico-me horas inteiras a fitar,
da neblina através da delgada urdidura,
a Lua, que se me afigura
um capulho de seda
a se desfiar
num tear...

E a teia aumenta
na transparência de uma gaze
frouxa, flutuante, alvacenta...
Torna-se a luz astral imperceptível quase.
Calmamente, a subir, a Lua o zênite ganha,
e tanto de neblina o éter se adensa
e a vaporosa teia se emaranha,
que a Lua, assim suspensa,
suponho o óvulo ser de uma celeste aranha.

Ao fulgor magnetizante
do olhar velado e incerto das estrelas,
meu pensamento, num instante,
ascende, vagueia pelas
alturas, voa,
erra como uma borboleta, à toa,
e, estonteado pela flama
do olhar que o chama,
do olhar que o atai e que o fascina,
sobe inda mais, sobe e, surpreso,
vê-se, afinal, gelado, preso
no amplo, sedoso e etéreo aranhol da neblina.



Fonte: "Cristais Partidos", Gráfica Revista dos Tribunais, 1915.
Originalmente publicado em: "Cristais Partidos", Gráfica Revista dos Tribunais, 1915.

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