Estival

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Poema de Gilka Machado


Acende-se o Verão.
A selva é uma oficina,
onde operando estão
todos os elementos naturais;
e, ao violento calor das forjas estivais,
a cigarra buzina,
marcando as horas de descanso e ebulição.

O ar, que de azul se adensa,
expele irradiações de polido cristal;
o olhar se eleva e pensa
que uma poeira de vidro cai da altura,
que há vidro em pó no chão, na montanha, no val.
O Sol culmina, o Sol deslumbra, o Sol fulgura
- é um rutilo vitral,
pondo todo o esplendor da sua iluminura
no largo teto azul da etérea catedral.

A água se inflama, o azul se inflama, a terra
parece toda em combustão;
o olhar a custo se descerra
e os olhos ardem, como brasas, diante
da paisagem cremante
do Verão.
Longe, distingue-se a feição das casas
qual uma singular constelação.

O ar é tão morno
que parece provir de uma oculta cratera,
que a sensação nos traz do bafio de um forno.
A natureza reverbera,
e o Sol que se destaca
no azul de um céu fulmíneo,
é uma acesa placa
de alumínio.

A toda vastidão da selva inunda, invade,
a solar claridade.
Nas árvores se faz um tal sopor,
nas frondes há uma tal oleosidade,
que as árvores, suponho, à solar claridade,
estão tressuando de calor.

Do meio-dia na hora,
é plena a quietação; nem uma ave apressada
faz ouvir do seu voo a cadência sonora,
nem a expressão de um gesto o olhar divulga, nada
se move, a Terra está como que asfixiada;
apenas, de onde em onde,
ecoa pelo espaço e sai de cada fronde
um som agreste, um som nervoso e emocional,
um som de verde-vegetal:
é a cigarra que canta, é a cigarra que tece
hinos ao Sol, ao deus possante, ardente e louro!
mas tal é a solidão na selva, que parece
a natureza inteira estar cantando em coro.



Fonte: "Cristais Partidos", Gráfica Revista dos Tribunais, 1915.
Originalmente publicado em: "Cristais Partidos", Gráfica Revista dos Tribunais, 1915.

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