Horas de amor

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Poema de Vicente de Carvalho



Só vivo as horas que passo
Junto de ti, meu amor,
Tua cintura em meu braço,
Meu beijo em tua boca em flor.

Só assim vivo, querida,
Pois tudo mais não é vida.

Ventura que mal goteja,
Triste do amor que se esconde,
E só acha de onde em onde
Um acaso que o proteja;

Só alcanço o teu carinho
Nesta sombra de folhagem,
Onde, como ave selvagem,
Nosso amor tem o seu ninho.

Por entre as moitas vagueio,
Caminho, paro, indeciso.
Virás ou não? E agonizo
Entre a esperança e o receio.

Por toda a floresta, cheia
De um rumor vago e perdido,
Cuido escutar o ruido
Dos teus pesinhos na areia.

Volto-me sobressaltado
Só porque uma ave deteve
O voo, e um ramo, de leve,
Estremeceu ao meu lado.

E enquanto na sombra curto
Essa impaciência hesitante
Por ternuras de um instante,
Por beijos dados a furto,

Cheio de inveja reparo
Nas borboletas que em bando
Passam felizes, amando
Na plena luz do sol claro.

Ventura que mal goteja,
Triste do amor que se esconde,
E só acha de onde em onde
Um acaso que o proteja.

Amor que a sombra encarcera,
E foge ao sol e às estradas.
Fossemos nós de mãos dadas
Pela vida e a primavera!

De súbito, ouço teus passos:
De entre folhagens de arbusto
Olhas, trêmula de susto,
Cais palpitante em meus braços.

E como a cansada abelha
Que suga a flor e adormece,
Meu beijo pousa e se esquece
Em tua boca vermelha.

Logro só de espaço a espaço
Algum momento de amor,
Tua cintura em meu braço,
Meu beijo em tua boca em flor.

Ai, eu só vivo querida,
Pedaços da minha vida.



Fonte: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.
Originalmente publicado em: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.