Glaura dormindo
Poema de Silva Alvarenga
Voai, zéfiros mimosos,
Vagarosos com cautela;
Glaura bela está dormindo;
Quanto é lindo o meu amor!
Mais me elevam sobre o feno
Suas faces encarnadas
Do que as rosas orvalhadas
Ao pequeno beija-flor.
O descanso, a paz contente
Só respiram nestes montes:
Sombras, penhas, troncos, fontes,
Tudo sente um puro ardor.
Voai, zéfiros mimosos,
Vagarosos com cautela;
Glaura bela está dormindo;
Quanto é lindo o meu amor!
O silêncio, que nem ousa
Bocejar e só me escuta,
Mal se move nesta gruta
E repousa sem rumor.
Leve sono, por piedade,
Ah derrama em tuas flores
O pesar, a mágoa, as dores,
E a saudade do pastor!
Voai, zéfiros mimosos,
Vagarosos com cautela;
Glaura bela está dormindo;
Quanto é lindo o meu amor!
Se nos mares aparece
Vênus terna e melindrosa,
Glaura, Glaura mais formosa
Lhe escurece o seu valor.
No vestido azul e nobre
É sem ouro e sem diamante,
Qual a filha de Taumante
Que se cobre de esplendor.
Voai, zéfiros mimosos,
Vagarosos com cautela;
Glaura bela está dormindo;
Quanto é lindo o meu amor!
É suave o seu agrado
A meus olhos nunca enxutos,
Como são os doces frutos
Ao cansado lavrador.
Mas bem longe da ventura
Às mudanças vivo afeito,
Encontrando no teu peito
Já brandura e já rigor!
Voai, zéfiros mimosos,
Vagarosos com cautela;
Glaura bela está dormindo;
Quanto é lindo o meu amor!
Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.