A morte
Poema de Silva Alvarenga
O prazer, a singeleza,
A beleza que em ti via,
Num só dia, ingrata sorte!,
Tudo a morte me roubou.
Esculpido na memória
Amo, ó Glaura, o teu semblante;
Nele vejo a cada instante
Essa glória que passou.
Volve o rio as puras águas,
Vai correndo e não descansa;
Assim foi minha esperança
E só magoas me deixou.
O prazer, a singeleza,
A beleza que em ti via,
Num só dia, ingrata sorte!,
Tudo a morte me roubou.
Neste bosque, em verde leito
Que já foi por ti ditoso,
Leio o nome teu, saudoso,
Que em meu peito o amor gravou.
Este monte que já viste
Pelas graças habitado,
Delas hoje desprezado,
Feio e triste se tornou.
O prazer, a singeleza,
A beleza que em ti via,
Num só dia, ingrata sorte!,
Tudo a morte me roubou.
Glaura chamo sem conforto
E só eco me responde:
Glaura busco e não sei onde,
Nem se morto ou vivo estou.
Assim triste passarinho
A consorte em vão procura
Que farpada seta dura
Do seu ninho arrebatou.
O prazer, a singeleza,
A beleza que em ti via,
Num só dia, ingrata sorte!,
Tudo a morte me roubou.
Voraz tempo não consome
Nem abranda meus pesares,
Nem eu deixo estes lugares
Que o teu nome eternizou.
Entre os côncavos rochedos
Chorarei enternecido,
Onde amor compadecido
Meus segredos sepultou.
O prazer, a singeleza,
A beleza que em ti via,
Num só dia, ingrata sorte!,
Tudo a morte me roubou.
Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.