À mangueira
Poema de Silva Alvarenga
Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Sobre a relva o sol dourado
Bebe as lágrimas da Aurora
E suave os dons de Flora
Neste prado vê brotar.
Ri-se a fonte: e bela e pura
Sai dos ásperos rochedos
Os pendentes arvoredos
Com brandura a namorar.
Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Com voz terna, harmoniosa,
Canta alegre o passarinho
Que defronte do seu ninho
Vem a esposa consolar.
Em festões os lírios trazem...
Ninfas, vinde... eu dou os braços;
Apertai de amor os laços
Que me fazem suspirar.
Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Vês das graças o alvoroço?
Ah prenderam entre flores
Os meus tímidos amores
Que não posso desatar!
Como os cobre o casto pejo!
Mas os olhos inocentes
Inda mostram descontentes
O desejo de agradar.
Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Vagaroso e com saudade,
Triste, lânguido e sombrio
Verdes bosques lava o rio
Sem vontade de os deixar.
Ao prazer as horas demos
Da estação mais oportuna;
Que estes mimos da fortuna
Inda havemos de chorar.
Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.