À ausência

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Poema de Silva Alvarenga



Musgosa e fria gruta,
Sombrios arvoredos,
De vós os meus segredos
Confia o terno amor.

Ouvi, ó duras penhas;
Ouvi a minha dor.
Chorando a bela Glaura
Me teve nos seus braços:
Ah que tão doces laços
Não viu jamais o amor!
Naquele triste dia
Morreu minha esperança,
Deixando na lembrança
Mais vivo o meu ardor.

Ouvi, ó duras penhas,
Ouvi a minha dor.

Eu vi nadar em pranto
Aqueles olhos belos,
E soltos os cabelos
Com que brincava amor.
Já rouca suspirando
De mágoa e de ternura,
Com a mão no peito jura
O mais constante ardor.

Ouvi, ó duras penhas,
Ouvi a minha dor.

Nas veias gela o sangue
Se choras Glaura aflita:
O coração palpita
E foge a viva cor.
Funesta desventura!
Cruel, ímpio desterro!
Porque de bronze ou ferro
Me não formaste, amor?

Ouvi, ó duras penhas,
Ouvi a minha dor.

Por mim nos verdes troncos
Seu nome foi gravado;
Crescia o nome amado,
Crescia o meu amor.
Agora entre suspiros
Na fúnebre espessura
Lamento a sorte escura...
Ai, mísero pastor!

Ouvi, ó duras penhas,
Ouvi a minha dor.

Nas líbicas areias
Ou sobre as neves frias
Com ela alegre os dias
Passara sem temor.
Mas longe dos seus olhos
Me assusta a morte avara,
E o mar que nos separa,
Separa o nosso amor.

Ouvi, ó duras penhas,
Ouvi a minha dor.

Sonora e branda lira,
Das musas temperada,
Aqui serás deixada
Por vitima de amor.

Ouvi, ó duras penhas,
Ouvi a minha dor.



Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.