Flor morta

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Poema de Nestor Victor



Quando ela passa a luz empalidece;
Flui do sol morto clarão de lua.
Como um alfange, o seu andar parece
Deixar a estrada solitária e nua.

Esse estuário humano que ela enfrenta
Inteiro volve os olhos para vê-la,
Mas lembra-nos deserta estepe atenta
À luz enferma de isolada estrela.

E serena ela vem, criando um sonho
De cabeça pendida, casto e sério,
Mortuário, mas branco, mas risonho,
Um sonho angelical de cemitério.

Parece a Morte, mas enobrecida,
Morte que só faz bem, que, piedosa,
Traz aos velhos a paz apetecida,
Poupa a criança, não regela a rosa.

Tem a graça secreta do esqueleto
Armado na melhor das atitudes.
De seus olhos nos vêm um fluido preto
De olhar isento de vicissitudes.

Uma rainha de região deserta,
Onde tudo se fez túmulo e cruzes.
O passo, de tão leve, nem desperta
Dos fogos fátuos as aladas luzes.

Aí vem, sonâmbula. Os seus magros braços
Parece que se alongam de repente
Nas mangas brancas de refolhos lassos
E que nos chamam funerariamente.



Fonte: "Transfigurações", H. Garnier, 1902.
Originalmente publicado em: "Transfigurações", H. Garnier, 1902.

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