A barcaça
Poema de João Cabral de Melo Neto
Ele embarcou numa mulher
(Um dia, foi numa cidade:
a vida cigana de então
pedia porto onde ancorasse.
Em Sevilha matriculou-se:
se nele é meteco, ninguém
habitou mais fundo esse porto
nem o soube do quê ao quem).
Hoje embarcou numa mulher.
Recifense, ele a chama barcaça,
que é o barco mais feminino,
é mulher feito barco e casa.
Mas nunca fez por anular
o registro da barca antiga:
na barcaça pernambucana
na proa se lê 'Sevilha'.
E nela embarcou sem querer
saber o que fazem com ela:
já se carrega pouco açúcar
nas barcaças fêmeas, à vela.
Que importa se vai Norte ou Sul?
Se vai a Goiana ou Barreiros?
Tem o registro de Sevilha
e é sem timão, sem timoneiro
Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Sevilha andando", Editora Nova Fronteira, 1989.