A tragédia grega e o mar do Nordeste
Poema de João Cabral de Melo Neto
Chega o Nordeste de Setembro:
O Inverno se foi, com seus ventos.
Tinham voz própria, me dizia:
com as ondas longo discutiam.
Com o Inverno, acaba a temporada
de teatro, a que ele não faltava,
quando ainda engenheiro de campo
arma, à noite, a tenda de pano.
Dizia ouvir, marés inteiras,
diálogos de tragédia grega:
o vento e o mar se apostrofavam
com vozes aos berros, de raiva,
e com tal raiva, com tal nervo,
que dispensava ler o texto.
Dizia sentir o tremendo
da tragédia, seu argumento,
a que o murmurar dos coqueiros
fazia o coro lastimeiro.
Na maré-alta, o pleito sobe,
na maré-baixa, baixa e morre.
O teatro desses personagens
que entoavam vozes sem face
pensava algum dia escrever,
dando ao som um texto que ler.
Seguiria seu ritmos, enchendo-o,
subindo e caindo no silêncio.
Não é essa a curva das estórias?
Não é esse o trajeto da História?
(Não soube se escreveu tais peças.
Talvez, pensando melhor nelas,
achasse ocioso pôr palavras
em formas vazias tão claras.)
Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Crime na Calle Relator", 1987.
Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Crime na Calle Relator", 1987.