Vida do campo
Poema de Cláudio Manuel da Costa
Oh doce soledade!
Oh pátria do descanso!
Da paz e da concórdia
Grosseira habitação, tosco palácio !
Quantos a meus delírios
Tu ditas desenganos,
Oráculos fazendo
Das árvores, dos troncos, dos penhascos!
Não fere os meus ouvidos
O estrondo cansado
Que levanta a lisonja
Junto aos pórticos d'ouro em régio Paço.
A macilenta inveja
Não derrama o contágio
Nas inocentes almas
Que são de seu furor mísero estrago.
Dos olhos se retira
O objecto sempre ingrato
Dos que suspiram mudos,
Em vez do prêmio, as sem razões do dano.
Aqui tem a virtude
Erguido o seu teatro;
E nas rústicas cenas
Aqui mostra a pobreza os aparatos.
As mal seguras canas
Que move o vento brando,
Da pobre rede tecem
Ao mísero Pastor o abrigo caro.
Colhida a tenra fruta
Vem de seu próprio ramo
A adornar a choupana
Em vez dos altos capitéis dourados.
Oh sítio venturoso!
Quanto te invejo, quanto!
Ditoso quem possui
O suave prazer de teu descanso!
Se tu bem alcançaras,
Pastor, um bem tão raro,
Não cessará o teu culto
De consagrar obséquios a teu fado.
Infeliz o que, envolto
No tráfego inumano
Da aborrecida côrte,
Só vê da confusão o rosto infausto.
Imagina do amigo
Seguir os doces laços,
E a torpe aleivosia
Lhe abre o sepulcro, onde buscou o amparo.
Se o valimento encontra,
Teme com justo espanto,
Quanto é grande a subida,
Que o despenho também seja mais alto.
Não há fronte segura
Que, enfim dissimulando
Não veja os seus afetos;
Como a flor entre os áspides ingratos.
Ah! mede, Pastor belo,
O bem que alcanças: tanto
Dar-te não pôde a côrte;
Só pôde a soledade deste campo.
Fonte: "Obras poéticas", H. Garnier, 1903.
Originalmente publicado em: "Obras", 1768.