O cajueiro
Poema de Silva Alvarenga
Cajueiro desgraçado,
A que fado te entregaste,
Pois brotaste em terra dura
Sem cultura e sem senhor!
No teu tronco pela tarde,
Quando a luz no céu desmaia,
O novilho a testa ensaia,
Faz alarde do valor.
Para frutos não concorre
Este vale ingrato e seco;
Um se enruga murcho e peco,
Outro morre ainda em flor.
Cajueiro desgraçado,
A que fado te entregaste,
Pois brotaste em terra dura
Sem cultura e sem senhor!
Vês nos outros rama bela
Que a Pomona por tributos
Oferece doces frutos
De amarela e rubra cor?
Ser copado, ser florente
Vem da terra preciosa;
Vem da mão industriosa
Do prudente agricultor.
Cajueiro desgraçado,
A que fado te entregaste,
Pois brotaste em terra dura
Sem cultura e sem senhor!
Fresco orvalho os mais sustenta
Sem temer o sol ativo;
Só ao triste semivivo
Não alenta o doce humor.
Curta folha mal te veste
Na estação do lindo agosto,
E te deixa nu e exposto
Ao celeste intenso ardor.
Cajueiro desgraçado,
A que fado te entregaste,
Pois brotaste em terra dura,
Sem cultura e sem senhor!
Mas se estéril te arruínas,
Por destino te conservas
E pendente sobre as ervas
Mudo ensinas ao pastor.
Que a fortuna é quem exalta,
Quem humilha o nobre engenho:
Que não vale humano empenho,
Se lhe falta o seu favor.
Cajueiro desgraçado,
A que fado te entregaste,
Pois brotaste em terra dura
Sem cultura e sem senhor!
Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.