O rouxinol

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Poema de Souza-Andrade



Rouxinol, O que procuras
Por entre o verde murtinho,
Por entre a grania cheirosa,
Por entre as moitas da rosa:
Procuras acaso o ninho
Que a torrente deslocou?

Teu amor inda dormia
Na ramagem do espinheiro
Dando à prole almo calor:
E vais perguntando à flor,
Como às águas do ribeiro,
Quem teu ninho te levou.

Teu só possuir no mundo,
Doces filhos, doce amor,
Tudo, tudo te acabaram...
Ai, porque não te mataram
Essa torrente de horror
E os gritos do vendaval!

Ora somes na toiceira,
Ora na pedra musgosa
E pelas fendas da terra
Como quem se desenterra;
Levantas na voz queixosa
Teu canto, que diz teu mal.

Denigre a terra tuas penas,
Rompe tuas penas o espinho:
Não sentes? e vais cantando,
Teus amores demandando,
Embora perdido o ninho
Cheio de frutos de amor.

Vês o sol como refulge
Depois que a chuva estiou,
Refletindo sobre o orvalho
Pelas folhas do carvalho?
Nunca o sol não rutilou,
Quando o peito anseia a dor.

Os pimpolhos resplandecem,
Perfuma a brisa o jasmim;
Nada sentes, filomela,
Que no mundo sem tua bela,
O mundo, ledo carmim,
São trevas nos olhos teus.

Sobre a margem do ribeiro,
Túmido e torvo correndo.
Triste e muda a terna amante,
Desplumada e delirante,
De tempo em tempo gemendo
Acaba os instantes seus.

Ei-la junto de seus filhos,
Ambos mortos! roto o ninho!
Rouxinol, para o teu canto,
Respeita seu mudo pranto,
Nas coifas do rosmaninho
Vai solitário chorar.

Ela não te ouve, não te olha,
Toda na prole sem vida!
Eles morreram da sorte;
A mãe lhes dará sua morte;
E tu à amante querida:
"A todos vejo acabar!

Tu, amor, que cegas o homem,
Dás mortes mil à mulher;
Tu, que eu te chamo deus;
Tu, que dimanas dos céus,
Porque não fazes morrer
A mim que tudo perdi?"



Fonte: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.
Originalmente publicado em: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.