Morrer de avião
Poema de João Cabral de Melo Neto
Morrer de morte de avião,
muito embora a sem razão,
estaria muito bem
se a morte a tanto alguém
tratasse com faca fina
ou a demão da guilhotina,
que é limpa e vai de repente,
tão viva quanto a gilete.
Mas ela nunca diz nada,
nem lê a sentença que mata;
quer que cada passageiro
sinta morrer-se no leito.
Por isso obriga o avião
a certo voar de gavião,
a voar círculos de vida,
disfarçando sua caída,
demorando-a até o mais lento
para que quem vai lá dentro
goze da satisfação
de uma última refeição.
Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Agrestes", 1985.