À uma moça por nome Bárbara
Poema de Gregório de Matos
Babú, como há de ser isto?
Eu me sinto já acabar
E estou tão intercadente,
Que não chego até amanhã.
Morro da vossa beleza,
E se ela me há de matar,
Como eu creio que me mata,
Formosa morte será.
Mas seja formosa ou feia,
Se o Deão me há de enterrar,
Por mais formosa que seja
Sempre caveira será.
Todos já aqui desconfiam,
Tudo é já desconfiar,
Da minha vida os doutores
E eu de vosso natural.
Desconfio de que abrande
Vosso rigor pertinaz;
E a minha vida sem cura
Sem dúvida acabará;
Porque se estais incurável
E tão sem remédio está
O achaque de não querer-me
E o mal de querer-me mal:
Que esperança posso eu ter
Ou que remédio há capaz,
Se vós sois a minha vida
E morreis por me matar?
Amor é união das almas
Em conformidade tal
Que, porque estais sem remédio,
Por contágio me matais.
Curai-vos de mal querer-me
E do fastio em que estais,
A minha triste figura
Que ao demo enfastiará
Comei, e seja o bocado,
Que com gosto se vos dá,
Porque em vós convalescendo,
Hei de eu também melhorar.
Assim sararemos ambos
Porque se vós me enfermais
Pelo contágio, o remédio
Por simpatia será.
Vós, Babú, virais-me as costas,
Pois eu faço outro por tal:
Estou às portas da morte,
A fala me falta já.
Quero fazer testamento,
Mas já não posso falar,
Que vós por costume antigo
Sempre a fala me quitais.
Mas testarei por acenos,
Que tudo em direito há,
E se por louco o não posso,
Posso por louco em amar.
Todos meus bens, se os tivera,
Os deixara a vós não mais;
Mas deixo-vos para outrem,
Que é o mais que posso deixar.
Se hei de deixar-vos a vós
Quantos bens no mundo há,
Em vos deixar a vós mesma,
Auto herdada assim ficais.
Em sufrágios da minha alma
Não gasteis o cabedal,
Que aos vossos rigores feita
Penas não há de estranhar.
Mas se por minhas virtudes,
E se por vos jejuar,
E se por tantas novenas
Que à vossa imagem fiz já,
Vos mereço algum perdão
Dos pecados que fiz cá,
Assim em vos perseguir
Como em vos desagradar:
Com as mãos postas vos peço
Que no vosso universal
Juízo mandeis minha alma
Ao vosso Céu descansar -
Não a mandeis ao Inferno,
Que alto inferno passou cá:
Adeus, e apertai-me a mão,
Que eu me vou a enterrar.
Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.