Mestra Silvina
Poema de Cora Coralina
Vesti a memória com meu mandrião balão.
Centrei nas mãos meu vintém de cobre.
Oferta de uma infância pobre, inconsciente, ingênua,
revivida nestas páginas.
Minha escola primária, fostes meu ponto de partida,
dei voltas ao mundo.
Criei meus mundos...
Minha escola primária. Minha memória reverencia minha velha Mestra.
Nas minhas festivas noites de autógrafos, minhas colunas de jornais
e livros está sempre presente minha escola primária.
Eu era menina do banco das mais atrasadas.
Minha escola primária...
Eu era um casulo feio, informe, inexpressivo.
E ela me refez, me desencantou.
Abriu pela paciência e didática da velha mestra,
cinquentanos mais do que eu, o meu entendimento ocluso.
A escola da Mestra Silvina...
Tão pobre ela. Tão pobre a escola...
Sua pobreza encerrava uma luz que ninguém via.
Tantos anos já corridos...
Tantas voltas deu-me a vida...
No brilho de minhas noites de autógrafos,
luzes, mocidade e flores à minha volta, bruscamente a mutação se faz.
Cala o microfone, a voz da saudação.
Peça a peça se decompõe a cena,
retirados os painéis, o quadro se refaz,
tão pungente, diferente.
Toda pobreza da minha velha escola
se impõe e a mestra é iluminada de uma nova dimensão.
Estão presentes nos seus bancos
seus livros desusados, suas lousas que ninguém mais vê,
meus colegas relembrados.
Queira ou não, vejo-me tão pequena, no banco das atrasadas.
E volto a ser Aninha,
aquela em que ninguém
acreditava.
Fonte: "Vintém de cobre", Global Editora, 2012.
Originalmente publicado em: "Vintém de cobre: meias confissões de Aninha", Editora da UFG, 1983.