A lembrança saudosa

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Poema de Silva Alvarenga



Conservai, musgosas penhas,
Nestas brenhas minha glória;
E a memória que inda existe
Torne um triste a consolar.

Repousavas, Glaura, um dia
Neste leito de verdura,
E esta fonte bela e pura
Mal se ouvia murmurar.
Eu vi zéfiro saudoso,
Pelas ninfas conduzido,
Sobre as asas suspendido
Amoroso respirar.

Conservai, musgosas penhas,
Nestas brenhas minha glória;
E a memória que inda existe
Torne um triste a consolar.

Vi mil cândidos amores
E mil risos namorados
Da mangueira pendurados
Lindas flores desfolhar.
Os hirsutos faunos broncos,
A quem move tal portento,
Reprimindo o tardo alento
Pelos troncos vi trepar.

Conservai, musgosas penhas,
Nestas brenhas minha glória;
E a memória que inda existe
Torne um triste a consolar.

Deu-me o prado florescente
Goivo, murta, rosa e lírio;
Venho, ó ninfa, em meu delírio
Tua frente a coroar.
Sem rumor com susto chego...
Gela o sangue... já não pulsa
Nem se atreve a mão convulsa
Teu sossego a perturbar.

Conservai, musgosas penhas,
Nestas brenhas minha glória;
E a memória que inda existe
Torne um triste a consolar.

De ternura, amor e gosto,
Entre o tímido embaraço,
Fiquei mudo longo espaço
No teu rosto a contemplar.
Mas as lágrimas puderam
Iludir o meu receio,
E caindo no teu seio
Te fizeram despertar.

Conservai, musgosas penhas,
Nestas brenhas minha glória;
E a memória que inda existe,
Torne um triste a consolar.



Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.