Estátua
Poema de Henriqueta Lisboa
Já não sou mais da terra. Eis-me entre as nuvens. Paire
ao derredor de mim a solidão da altura.
Cesse o ruído
do oceano. Desvaneça-se o donaire
das montanhas. Aragem, por mais pura
que seja, não me venha acordar o sentido.
Não se insinue em volta sombra alguma
que me faça lembrar a dispersão de outrora.
As derradeiras flores, vento, esparze-as
sobre a cinza dos ídolos. Mais uma
arrancada e de vez há de raiar a aurora
e hão de fazer silêncio as várzeas.
Um dia acreditei que havia fel no pranto.
Pelo que vi chorar, pus-me a caminho.
No entanto,
detrás de cada
máscara impressa no meu linho,
torcia-se uma gargalhada.
Pensei então que o riso era mais verdadeiro.
Fui às festas de luz ao ar livre entre as rosas.
Mas quantas vezes, ao clarão primeiro
do sol que vem por um atalho,
pude ver, aturdidas e vaidosas,
as próprias rosas escondendo o orvalho.
Amei as minhas ilusões o quanto pude,
os perfumes sutis, a música, o ermo
em que a gente recorda idílios de ontem.
Hoje minha alma não se lembra nem se ilude.
E antes que as trevas para o abismo apontem,
a cada sonho o meu orgulho marca um termo.
Agora, sim. Toco regiões supremas.
Falo por símbolos. Alçar-se ao nível
da minha perfeição, quem ousará jamais?
Libertei-me de auréolas e de algemas.
Mas ficou na minha alma o desejo impossível
de igualar minha dor à dos outros mortais.
Fonte: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Originalmente publicado em: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.