Desesperança

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Poema de Souza-Andrade


Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!...
A vida era tão calma
Aqui na solidão!
       Ó rio, que corrias.
       Tuas águas vão secar....
       À flor no seu murchar
       Que importa a viração?

Ó sol da minha infância,
Que valem-me os teus raios?
A lua em seus desmaios
Um túmulo embranquece.
       E tu que, na distância,
       Me deste a vida e a dor...
       Eu sinto - a esperança, o amor
       Meu peito não aquece.

E eu que sonhei tanto!
E eu que tanto via
No longe dalgum dia
A vida aparecer...
       No rio do meu pranto
       Meus anos vão passando:
       Assento-me, esperando
       O meu triste morrer.

Assim, rápidas flores,
Donzelas da manhã,
Sem terdes amanhã
Nas límpidas capelas,
       Passais; vão-se os amores
       E o hino da beleza:
       Nem deu-me a natureza
       Um dia! assim como elas.

Divago os olhos lentos
Do plano ao monte, aos céus:
Eu lá vejo um só Deus,
Em Deus somente o amor;
       Aqui... levam~me os ventos...
       Eu nada tenho... sorte!
       No cume eu vejo a morte,
       Nos vales morta a flor.

A mim pranto e saudade,
A mim fúnebre exílio,
Cantando umbroso idílio
Da morte à sombra fria:
       Em pálida orfandade
       As dores me acabaram,
       Misérias me embalaram
       Nos berços da agonia.

Adeus... palma, que ouvias
Minha harpa à sombra tua;
Tu és a voz que é sua,
Eu sou tua criação.
       Ó tarde dos meus dias!
       Ó noite da minha alma!
       A vida era tão calma
       Em paz na solidão!

Adeus à doce vida,
Adeus à rósea esperança
E ao céu! que era bonança
Cobrindo o campo e o lar;
       Adeus, terra querida!
       Adeus, formosa infante!
       Por ti, no mundo errante,
       De novo eu corro o mar.



Fonte: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.
Originalmente publicado em: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.