Desesperança
Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!...
A vida era tão calma
Aqui na solidão!
Ó rio, que corrias.
Tuas águas vão secar....
À flor no seu murchar
Que importa a viração?
Ó sol da minha infância,
Que valem-me os teus raios?
A lua em seus desmaios
Um túmulo embranquece.
E tu que, na distância,
Me deste a vida e a dor...
Eu sinto - a esperança, o amor
Meu peito não aquece.
E eu que sonhei tanto!
E eu que tanto via
No longe dalgum dia
A vida aparecer...
No rio do meu pranto
Meus anos vão passando:
Assento-me, esperando
O meu triste morrer.
Assim, rápidas flores,
Donzelas da manhã,
Sem terdes amanhã
Nas límpidas capelas,
Passais; vão-se os amores
E o hino da beleza:
Nem deu-me a natureza
Um dia! assim como elas.
Divago os olhos lentos
Do plano ao monte, aos céus:
Eu lá vejo um só Deus,
Em Deus somente o amor;
Aqui... levam~me os ventos...
Eu nada tenho... sorte!
No cume eu vejo a morte,
Nos vales morta a flor.
A mim pranto e saudade,
A mim fúnebre exílio,
Cantando umbroso idílio
Da morte à sombra fria:
Em pálida orfandade
As dores me acabaram,
Misérias me embalaram
Nos berços da agonia.
Adeus... palma, que ouvias
Minha harpa à sombra tua;
Tu és a voz que é sua,
Eu sou tua criação.
Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Em paz na solidão!
Adeus à doce vida,
Adeus à rósea esperança
E ao céu! que era bonança
Cobrindo o campo e o lar;
Adeus, terra querida!
Adeus, formosa infante!
Por ti, no mundo errante,
De novo eu corro o mar.
Fonte: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.
Originalmente publicado em: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.