O Bem-Te-Vi
Poema de Joaquim Norberto de Sousa Silva
Ao onipotente sagrado aceno,
Para remate da criação,
Surgiu ditoso paíz ameno,
- Brazil - a terra de promissão.
Que mago encanto sentiu o povo
À quem a rota legou Cabral,
Vendo com pasmo um torrão novo,
Como não vira no mundo igual!
Tudo era estranho a gente estranha
Que de tão longe vinha o buscar
Para essa glória - glória tamanha -
Ao mundo inteiro mais ofertar.
Florestas envias, troncos robustos,
- Irmãos do globo na criação -
A desbarbados povos adustos
Servem de abrigo, de habitação.
Imensas serras - como gigantes -
As grimpas alçam até mesmo aos céus
E seus cabeços predominantes
Vestem de nuvens - cinzentos véus.
Soberbos rios torrentes rolam
De fartas ondas, tais como um mar;
Nas margens soam, que tanto assolam,
Qual megaterio ressonar.
Sem que ao colono o alento esgote,
A terra dá-lhe o áureo metal;
Grãos diamantinos - celeste dote -
Faz opulento qualquer mortal.
Contêm o solo já feito o vinho,
Que a cana oferece no caldo seu;
E macerado já mostra o linho
No algodoeiro que o céu lhe deu.
No úbero seio a terra oculta
Bastas raízes à nutrição,
Que ao seu colono por fim faculta
Como já pronto bendito pão.
E insetos mil e mil, alados,
A graça ostentam de bela flor;
E à noite esplendem, iluminados,
De ricas pedras matiz e cor.
As aves mostram linda plumagem,
Que o índio veste de ostentação;
Do próprio homem tem a linguagem,
Arremedando-o até na expressão.
Embevecido, qual se estivera
Num encantado, mago jardim,
Thomé de Souza, que cá viera
A governar-nos, perdeu-se enfim.
Dias e noites nos bosques vaga
O grande e sábio governador;
Pelo caminho debalde indaga
Que o leve à vila do Salvador.
Fatalidade... Dura exigência,
Embora a chamem mui natural,
O homem - grande na sua essência -
Rebaixa e aos brutos o torna igual!
Thomé de Souza, que assaz comera
Provando frutos de mil sabor,
Pra desfazer o que então fizera
Se via aflito com intensa dor.
As calças desce - remédio pronto -
Junto do tronco que vê ali...
Ave que passa por esse ponto
Distinta e clara diz: "Bem-te-vi!"
Levanta as calças envergonhado,
Pensa que alguém o descobriu;
Diz: "Qual viu nada, Sôr engraçado!
Ora é historia, que nada viu!"
Fonte: "Flores entre espinhos", B. L. Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Flores entre espinhos", B. L. Garnier, 1864.