Convalescença

Imagem Henriqueta Lisboa

Poema de Henriqueta Lisboa



Depois que se cansou minha pobre saudade
voltei a ter a alma tranquila.
E é tão simples, tão doce esta serenidade,
que só de a ver chegar se me enxuga a pupila.

Há qualquer coisa em mim como suave promessa
que fica sem falar longas horas a fio.
Não sei bem onde acaba e nem onde começa
esta convalescença, assim, por este ar frio...

Do que se foi só resta uma lembrança vaga,
tão vaga que me foge às vezes da memória;
porque não há ninguém, afinal, que não traga
lá de longe a lembrança vaga de uma história...

E a minha com certeza há de ser tal e qual
a de quem corre atrás de uma bolha de espuma
e, quando pensa que atingiu o ideal,
vê que guarda nas mãos coisa nenhuma...

Hoje olho a vida assim com desengano
da criança que ficou largo tempo a estudar
e, quando volta a seus brinquedos no fim do ano,
já não sabe brincar...



Fonte: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Originalmente publicado em: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.