Nize a Fileno
Poema de Cláudio Manuel da Costa
Em vão, Fileno amado,
Acusas teu destino;
Se foges peregrino
Por me não ver jamais.
Viste-me, falso, ingrato,
Presa a teu doce trato:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Dizias: eu me ausento.
Foi esta a despedida
Que toda a minha vida
Me há de fazer penar.
Entre martírio tanto
Eu me desfiz em pranto:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Oh quantas vezes, quantas,
Do sono despertando,
Te vou acompanhando
Por não me atormentar!
Não há esquecimento
Que abrande o meu tormento:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
No prado e na montanha
Saudosa hoje estou vendo
O engano, que tecendo
A minha ideia está.
Baixei contigo à fonte;
Subi contigo ao monte:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Ao som do manso rio,
Nize, fiel Pastora,
Chorando a toda a hora
A tua ausência está.
Nize, fiel Pastora,
Chorando a toda a hora
A tua ausência está.
Aflita neste estado
Acuso o Céu irado:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Nem Filis nem Lizarda,
Que foram teus desvelos,
Me podem já dar zelos
Nem já me fazem mal.
Só teu cruel semblante
Me lembra a cada instante:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Fileno as belas flores
A Nize amada e cara
Já agora não prepara,
Já não quer agradar.
Comigo Amor se agasta;
O meu Pastor se afasta:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Conservo na memória
A tua crueldade;
Nem sei como a saudade
Me não tem morta já.
Mas ah! que desfaleço;
Chorando em tal excesso:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Crescendo a minha mágoa,
Se aumenta o meu receio;
Que entregue a novo enleio
Talvez te encontrará.
Que vezes nos meus braços
Eu te formei os laços!
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Por mais que ausente gires
De Nize, que te adora,
Não hás de achar Pastora,
Que mais te saiba amar.
De Nize, que te adora,
Não hás de achar Pastora,
Que mais te saiba amar.
Vê bem a que tormento
Me obriga o sentimento:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Aqui posta em desterro,
Ao som desta corrente
Sempre terei presente
A causa de meu mal.
E tu nesse retiro
Desprezas meu suspiro:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Até de mim se escondem
As Ninfas no seu seio;
Pois teu fingido enleio
Não querem escutar.
E nem esta lembrança
Sequer minha alma alcança:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Conheço que o meu pranto
Passou a ser delírio:
Pois meu cruel martírio
Chega a extremo tal.
Mas como há de ter cura
Quem nasce sem ventura!
E tu, que assim me viste.
Partiste
A respirar!
Talvez outra Pastora,
Zombando de tua ânsia,
Da falta de constância
Em ti me vingará.
Mal feito, que se abrande
Vendo rigor tão grande:
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Verás na minha pena
Que, sempre vigilante,
Por todo o campo errante,
Jamais te hei de deixar.
E tu... ah louco emprego
De quem não tem sossego!
E tu, que assim me viste,
Partiste
A respirar!
Fonte: "Obras poéticas", H. Garnier, 1903.
Originalmente publicado em: "Obras", 1768.