Sombra
Poema de Henriqueta Lisboa
É verdade que tens uma sombra na vida.
É bem verdade. Eu sei. Mas que me importa, a mim?
Não é por mim que te arde o coração em chamas?
Que importa o que já foi - uma flor ressequida,
um beijo que se esquece, uma ilusão enfim?
Não se concentra no meu ser tudo quanto amas?...
Se eu tivesse chegado à hora dolente do ermo
em que a sós pela estrada esperasses alguém
- é tão comum ter que esperar! -
no abandono que faz de cada ser um enfermo,
então, sem definir o que de ti me vem,
eu poderia duvidar...
Uma sombra que passa
quando uma folha cai, quando escurece o dia,
quando a gente olha a chuva através da vidraça,
num gesto ingênuo de esperança ou de ironia,
a gente segue... a gente chama...
E nem sempre esta sombra é aquela de quem se ama...
Eu, porém, que cheguei quando estavas em festa,
embriagado de azul, tonto do ar que perfuma,
tendo cetro e coroa como um rei,
- deste reinado antigo que é que resta? -
tenho a certeza de que mais nenhuma
poderia triunfar como triunfei.
Faço desta vitória a luz que a sombra esmaga
e ao sol ergo minha alma envolta em canto e riso.
Mas quando sinto em ti alguma coisa vaga
e há uma nuvem qualquer no teu olhar,
é que me vem o horror deste rastro em que piso.
Porque é que não cheguei em primeiro lugar?...
Fonte: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Originalmente publicado em: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Fonte: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.
Originalmente publicado em: "Enternecimento", Paulo Pongetti Editora, 1929.