Potreadas
Poema de Jacinta Passos
Hoje eu vou correr cem léguas
eh!
cem léguas de arrepiar.
No lombo deste cavalo
nem que custe o que custar.
Eh! desertão da Chapada,
Passagem Ruim, Icó,
Lagoa do Mulungu,
Aracuan e Cipó,
Uauá, Várzea da Ema,
Ipueiras, Cocobocó.
Hoje eu vou correr cem léguas
eh!
cem léguas de arrepiar.
Vou vencer o sergipano
sozinha, no potrear.
Nem que não ache o caminho
de volta para contar
nem que me assalte o jagunço
da moita de gravatá
nem que firam os espinhos
de jerema e de joá.
Hoje eu vou correr cem léguas
eh!
cem léguas de arrepiar.
Vou tirar o bicho da toca,
Seu Mano, desalojar.
Vou com quinze, senhores,
tirem o facão da bainha,
arrebanhar os cavalos
na redondeza vizinha
eh! potreada relâmpago
tirem o facão da bainha!
Hoje eu vou correr cem léguas
eh!
cem léguas de arrepiar.
Gritar eh! eh! catingueiros
eh! polícia. E debandar.
Vou queimar livros de impostos
daquela Coletoria
dizer ao preso: sois livre,
palmatória foi um dia,
polícia, ninguém te salva,
cadê a Virgem Maria?
No lombo deste cavalo
nem que custe o que custar.
Hoje eu vou correr cem léguas
eh!
cem léguas de arrepiar.
Fonte: "Jacinta Passos, coração militante", Editora EDUFBA, 2010.
Originalmente publicado em: "A Coluna", Editora A. Coelho Branco, 1957.