Na fazenda
Poema de Júlia Lopes de Almeida
Pela manhã, tomado o café quente,
Tomado o banho frio,
De roupas e alma leve, alegremente,
Eu desci pela encosta da vertente
A caminho do rio.
O passo vagaroso, o olhar incerto
Ora aqui, ora ali,
Longe dos homens, mas de mim mais perto,
Rijo como um pinheiro e alegre e esperto
Como nunca me vi!
Ora aqui, ora ali,
Longe dos homens, mas de mim mais perto,
Rijo como um pinheiro e alegre e esperto
Como nunca me vi!
Segui pelo pomar. Velhas Mangueiras
Carregadas de mangas,
Abios, uvas, jabuticabeiras
E, como brincos na árvore, as faceiras,
As gostosas pitangas.
Carregadas de mangas,
Abios, uvas, jabuticabeiras
E, como brincos na árvore, as faceiras,
As gostosas pitangas.
Cheguei depois à cerca. Junto a ela,
Perto do grande Ipê
Que abria a copa em flor, toda amarela,
Eu a vista alonguei sobre a cancela
De onde o rio se vê
Pelo capim molhado dos caminhos
Borrifados de orvalho
Segui depois, ouvindo os passarinhos,
Quentes ainda do calor dos ninhos,
Voando de galho em galho.
Perto do grande Ipê
Que abria a copa em flor, toda amarela,
Eu a vista alonguei sobre a cancela
De onde o rio se vê
Pelo capim molhado dos caminhos
Borrifados de orvalho
Segui depois, ouvindo os passarinhos,
Quentes ainda do calor dos ninhos,
Voando de galho em galho.
Além, como um mar verde, as folhas finas
Em riste para o ar
E prateadas de gotas cristalinas,
Estendiam-se em várzeas e campinas
Os campos de criar.
Em riste para o ar
E prateadas de gotas cristalinas,
Estendiam-se em várzeas e campinas
Os campos de criar.
Potros de pelo fino e forma airosa;
E, chifres no ar em riste,
Bois mansos de ossatura monstruosa,
A figura simpática e bondosa,
O olhar sereno e triste.
Depois, de um verde-negro a ambos os lados,
Os densos cafezais
Lembravam hostes bárbaras, soldados
Marchando em fila a passos compassados,
Rijos, hirtos, marciais.
Os densos cafezais
Lembravam hostes bárbaras, soldados
Marchando em fila a passos compassados,
Rijos, hirtos, marciais.
E ainda mais além, já mais distante,
Em tons claros e suaves,
O milharal ondeava ao sol radiante,
Como que o milho novo e loirejante
Oferecendo às aves.
E ante o aspecto risonho da fazenda
Eu meditei então
Na grandeza da luta estranha e horrenda,
No esforço imenso, na aflição tremenda
Do homem lavrando o chão!
Em tons claros e suaves,
O milharal ondeava ao sol radiante,
Como que o milho novo e loirejante
Oferecendo às aves.
E ante o aspecto risonho da fazenda
Eu meditei então
Na grandeza da luta estranha e horrenda,
No esforço imenso, na aflição tremenda
Do homem lavrando o chão!
Do homem que, braço a braço, a pedra dura
Desfez e a terra brava
Arou, semeou, plantou, - e que a fartura
Fez brotar pelo esforço da cultura
De um chão que nada dava!
Desfez e a terra brava
Arou, semeou, plantou, - e que a fartura
Fez brotar pelo esforço da cultura
De um chão que nada dava!
Ah! bendito o trabalho corajoso,
O esforço pertinaz,
Que este chão, antes feio e pedregoso,
Assim faz cultivado, assim formoso
E produtivo faz!
Fonte: "A Árvore", Livraria Francisco Alves, 1916.
Originalmente publicado em: "A Árvore", Livraria Francisco Alves, 1916.