Benze-se
Poema de Gregório de Matos
Destes que campam no mundo
Sem ter engenho profundo,
E entre gabos dos amigos
Os vemos em papafigos
Sem tempestade, nem vento:
Anjo bento!
De quem com letras secretas
Tudo o que alcança é por tretas,
Bacolejando sem pejo
Por matar o seu desejo
Desde a manhã té á tarde:
Deus me guarde !
Do que passeia farfante,
Muito presado de amante,
Por fora luvas, galões,
Insígnias, armas, bastões,
Por dentro pão bolorento:
Anjo bento!
Muito presado de amante,
Por fora luvas, galões,
Insígnias, armas, bastões,
Por dentro pão bolorento:
Anjo bento!
Destes beatos fingidos,
Cabisbaixos, encolhidos,
Por dentro fatais maganos,
Sendo nas caras uns Janos,
Que fazem do vício alarde:
Deus me guarde!
Cabisbaixos, encolhidos,
Por dentro fatais maganos,
Sendo nas caras uns Janos,
Que fazem do vício alarde:
Deus me guarde!
Que vejamos teso andar
Quem mal sabe engatinhar,
Muito inteiro e presumido,
Ficando o outro abatido
Com maior merecimento:
Anjo bento!
Quem mal sabe engatinhar,
Muito inteiro e presumido,
Ficando o outro abatido
Com maior merecimento:
Anjo bento!
Destes avaros mofinos,
Que põem na mesa pepinos,
De toda a iguaria isenta,
Com seu limão e pimenta,
Porque diz que queima e arde:
Deus me guarde!
Que põem na mesa pepinos,
De toda a iguaria isenta,
Com seu limão e pimenta,
Porque diz que queima e arde:
Deus me guarde!
Que pregue um douto sermão
Um alarve, um asneirão;
E que esgrima em demasia
Quem nunca lá na Sofia
Soube pôr um argumento:
Anjo bento !
Um alarve, um asneirão;
E que esgrima em demasia
Quem nunca lá na Sofia
Soube pôr um argumento:
Anjo bento !
Desse santo mascarado
Que falia do meu pecado
E se tem por Santo Antônio,
Mas em lutas com o demônio
Se mostra sempre cobarde:
Deus me guarde!
Que falia do meu pecado
E se tem por Santo Antônio,
Mas em lutas com o demônio
Se mostra sempre cobarde:
Deus me guarde!
Que, atropelando a justiça,
Só com virtude postiça
Se premie o delinquente,
Castigando o inocente
Por um leve pensamento:
Anjo bento!
Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.
Só com virtude postiça
Se premie o delinquente,
Castigando o inocente
Por um leve pensamento:
Anjo bento!
Fonte: "Obra Poética", Tipografia Nacional, 1882.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.