À fontinha
Poema de Adélia Fonseca
Porque estás assim queixosa
Qual triste lamentação
Que sobre a campa do morto
Solta aflito coração?
Porque suspiras, fontinha,
Porque gemes, pobrezinha?
Temes que d'esta montanha,
Em cuja base murmuras,
Algum pedaço, rolando,
Turve-te as águas tão puras?
Receias, que um sol ardente
Te esgote a clara nascente?
Não; choras o amor-perfeito
Que junto a ti floresceu
E balouçando se via
No argênteo espelho teu;
Estás saudosa carpindo
Esse amor que era tão lindo!..
Em vão sua imagem buscas
No teu liquido cristal;
O furacão que arrancou-te
O mimoso original
Nem uma folha te deixa
Que minore a tua queixa.
É por isso que, saudosa,
Qual triste lamentação
Que sobre a campa do morto
Solta aflito coração,
Assim tu gemes, fontinha,
E suspiras, pobrezinha.
Acaso possues um'alma,
Que lhe conheça o valor,
Tu que choras tão sentida
Pela perda d'essa flor?
Se a possues, deves queixar-te;
Não pretendo consolar-te.
Eu quero só minhas lágrimas
Com teus prantos confundir;
Quero meus tristes queixumes
A teus queixumes unir;
Quero contigo viver,
Porque te vejo sofrer.
Quero sentir no meu peito
Os ecos de tua dor;
Quero suspirar contigo;
Partilhar teu dissabor,
De tua melancolia
Quero beber a poesia.
Com a dor eu simpatizo
Porque a dor também conheço;
Eu sei o que são angústias
E de ti me compadeço;
Também saudades eu tenho
Que aliar às tuas venho.
Minha saudade é tão negra
Qual noite tempestuosa;
É negra a tua saudade
Como veste lutuosa;
Ambas têm a cor da sina
Que nos coube, tão mofina!...
Eu quero pois minhas lágrimas
Com teus prantos confundir;
Quero meus tristes queixumes
A teus queixumes unir;
Quero contigo viver
Porque te vejo sofrer.
O formoso amor-perfeito
Que a teu lado floresceu,
Que, tão lindo, refletia
O argênteo espelho teu,
Vazio um lugar deixou
Onde a saudade brotou.
Mas não temas que te deixe
Esta florzinha querida;
O próprio tempo que passa
De tudo extinguindo a vida,
Por ela debalde corre;
Porque a saudade não morre!
E a saudade que é minha,
Como os ais - do sofrimento -,
Como o riso é - da ventura -,
E - da desgraça - o lamento,
Quando a lousa do sepulcro
Meu corpo exangue esconder,
Há de, fiel, a meu lado
Qual na vida florescer.
Fonte: "Ecos da Minh'alma", Tipografia Camillo de Lellis Masson, 1866.
Originalmente publicado em: "Ecos da Minh'alma", Tipografia Camillo de Lellis Masson, 1866.