Conselho do conselheiro

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Poema de João Cabral de Melo Neto



1

Temer quedas sobremaneira
(não as do abismo, da banheira).

Anda como num chão minado,
que se desmina, passo a passo.

Gestos há muito praticados,
melhor sejam ressoletrados.

2

A coisa mais familiar
já pode ser o patamar

onde um corredor conhecido,
que se caminha ainda tranquilo,

leva a uma certa camarinha
que ninguém disse o que continha.

3

Uma porta qualquer que se abre
só ao fechá-la é que se sabe

que não foi afinal a porta
que só abre do lado de fora:

embora como porta se abra
é só de um lado sua bisagra.

4

De cada cama em que se sobe
se descerá? É que se pode?

E cada cama em que se deita
não será acaso a derradeira,

que tem tudo de cama, quase:
menos a tampa em que fechar-se.



Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Agrestes", 1985.