Lira XXII (parte II)
Poema de Thomaz Antônio Gonzaga
Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura;
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso que eu assim resista
A dor imensa que me cerca e mata.
Quando em meu mal pondero
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto e escuto
A tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços.
Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista e caio,
Não sei se vivo ou morto;
Enternece-se amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.
Depois que represento
Por largo espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto;
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:
"Se queres ser piedoso,
Procura o sitio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma d'elas me traze sobre as penas,
E para alivio meu só isto basta."
Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.