Lira XXXI (parte II)

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Poema de Thomaz Antônio Gonzaga



     Detém-te, vil humano;
     Não espremas cicutas
     Para fazer-me dano.
O sumo que elas dão é pouco forte;
     Procura outras bebidas,
     Que apressem mais a morte.

     Desce ao Reino profundo,
     Ajunta ai venenos,
     Que nunca visse o mundo;
Traze o negro licor que tem nos dentes,
     Nos dentes denegridos
     As raivosas serpentes.

     Cachopo levantado
     Que pôs a natureza
     Dentro no mar salgado,
Não se abala no meio da tormenta;
     Bem que uma e outra onda
     Sobre ele em flor rebenta.

     Árvore que na terra
     As robustas raízes,
     Buscando o centro, aferra,
Não teme ao furacão mais violento;
     E menos se deixa
     Vergar do rijo vento.

     Sou tronco e rocha, ó bela,
     Que açoita o sul que brama
     E o mar que se encapela:
Não temas que do rosto a cor se mude;
     Vence as rochas e os troncos
     A sólida Virtude.

     A maior desventura
     É sempre a que nos lança
     No horror da sepultura:
O covarde a morrer também caminha;
     Com que males não pode
     Uma alma como a minha?



Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.