Afogado nos Andes
Poema de João Cabral de Melo Neto
I
No ar rarefeito como a vida
vai a vida do índio formiga.
A esta altura, o oxigênio raro
faz pelo avesso outro afogado.
Quem se afoga nele ou por falta
dele, é igual a boca angustiada:
os afogados submarinos
têm os gestos dos sobreandinos,
sempre que possam expressar,
com a boca ou as mãos, a falta de ar
de onde demorar não se pode:
onde a visita é a de quem foge.
II
Era do Recife esse afogando,
do ar espesso da beira-oceano,
para quem também respirar
é outra maneira de caçar:
não é um pássaro-oxigênio
que caça, é um pássaro denso,
e muito mais que caçar,
cabe dizer desentranhar,
que é retirar o ar das entranhas
dessa atmosfera que nos banha
como quem no armazém de açúcar
vive no ar viscoso de fruta.
Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Agrestes", 1985.
Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Agrestes", 1985.