Lira XV (parte II)
Poema de Thomaz Antônio Gonzaga
Vês, Marília, um cordeiro
De flores enramado,
Como alegre corre
A ser sacrificado?
O povo para templo já concorre;
A pira sacrossanta já se acende;
O ministro o fere: ele bala e morre.
Vês agora o novilho,
A quem segura o laço?
No chão as mãos especa,
Nem quer mover um passo;
Não conhece que sai de um mau terreno,
Que o forte pulso que a seguir o arrasta,
O conduz a viver num campo ameno.
Ignora o bruto como
Lhe dispomos a sorte;
Um vai forçado à vida,
Vai outro alegre à morte.
Nós temos, minha bela, igual demência;
Não sabemos os fins com que nos move
A sábia, oculta mão da Providência.
De Jacó ao bom filho
Os maus matar quiseram;
De conselho mudaram;
Como escravo o venderam;
José não corre a ser um servo aflito;
Vai subindo os degraus, por onde chega
A ser um quase rei no grande Egito.
Quem sabe se o Destino
Hoje, ó bela, me prende.
Só porque nisto de outros
Mais danos me defende?
Pode ainda raiar um claro dia,
Mas quer raie, quer não, ao céu adoro
E beijo a santa mão que assim me guia.
Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.