Lira IV

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Poema de Thomaz Antônio Gonzaga



Marília, teus olhos
São réus e culpados
Que sofra e que beije
Os ferros pesados
De injusto senhor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Mal vi o teu rosto,
O sangue gelou-se,
A língua prendeu-se,
Tremi e mudou-se
Das faces a cor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

A vista furtiva,
O riso imperfeito,
Fizeram a chaga,
Que abriste no peito,
Mais funda e maior.
Marília, escuta
Um triste Pastor.

Dispus-me a servir-te;
Levava o teu gado
À fonte mais clara,
À vargem e prado
De relva melhor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Se vinha da herdade,
Trazia dos ninhos
As aves nascidas,
Abrindo os biquinhos
De fome ou temor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Se alguém te louvava,
De gosto me enchia;
Mas sempre o ciúme
No rosto acendia
Um vivo calor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Se estavas alegre,
Dirceu se alegrava;
Se estavas sentida,
Dirceu suspirava
À força da dor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Falando com Laura,
Marília dizia;
Sorria-se aquela,
E eu conhecia
O erro de amor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Movida, Marília,
De tanta ternura,
Nos braços me deste
Da tua fé pura
Um doce penhor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Tu mesma disseste
Que tudo podia
Mudar de figura,
Mas nunca seria
Teu peito traidor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Tu já te mudaste;
E a olaia frondosa,
Aonde escreveste
A jura horrorosa,
Tem todo o vigor.
Marília, escuta
Um triste pastor.

Mas eu te desculpo,
Que o fado tirano
Te obriga a deixar-me,
Pois busca o meu dano
Da sorte que for.
Marília, escuta
Um triste pastor. 



Fonte: "Marília de Dirceu", Impressão Regia, 1810.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.