Lira XXXVI

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Poema de Thomaz Antônio Gonzaga



Pega na lira sonora,
Pega, meu caro Glauceste;
E, ferindo as cordas de ouro,
Mostra aos rústicos pastores
A formosura celeste
De Marília, meus amores.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Que concurso, meu Glauceste,
Que concurso tão ditoso!
Tu és digno de cantares
O seu semblante divino;
E o teu canto sonoroso
Também do seu rosto é digno.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Para pintares ao vivo
As suas faces mimosas,
A discreta Natureza
Que providência não teve!
Criou no jardim as rosas,
Fez o lírio e fez a neve.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

A pintar as negras tranças
Peço que mais te desveles,
Pinta chusmas de amorinhos
Pelos seus fios trepando;
Uns tecendo cordas d'eles,
Outros com eles brincando.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Para pintares, Glauceste,
Os seus beiços graciosos,
Entre as flores tens o cravo,
Entre as pedras a granada,
E para os olhos formosos,
A estrela da madrugada.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Mal retratares do rosto
Quanto julgares preciso,
Não dês a cópia por feita;
Passa o outros dotes, passa:
Pinta da vista e do riso
A modéstia mais a graça.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Pinta o garbo de seu rosto
Com expressões delicadas;
Os seus pés, quando passeiam,
Pisando ternos amores;
E as mesmas plantas calcadas
Brotando viçosas flores.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Pinta mais, prezado amigo,
Um terno amante beijando
Suas douradas cadeias;
E, em doce pranto desfeito,
Ao monte e vale ensinando
O nome que tem no peito.

       Ah! pinta, pinta
       A minha bela,
       E em nada a cópia
       Se afaste dela.

Nem suspendas o teu canto
Inda que, pastor, se veja
Que a minha boca suspira,
Que se banha em pranto o rosto;
Que os outros choram de inveja
E chora Dirceu de gosto.

Ah! pinta, pinta
A minha bela,
E em nada a cópia
Se afaste dela.



Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.