Lira XXII
Poema de Thomaz Antônio Gonzaga
Muito embora, Marília, muito embora
Outra beleza que não seja a tua,
Com a vermelha roda a seis puxada,
Faça tremer a rua.
As paredes da sala aonde habita,
Adorne a seda e o tremó dourado;
Pendam largas cortinas, penda o lustre
Do teto apainelado.
Tu não habitarás palácios grandes,
Nem andarás nos coches voadores;
Porém terás um Vate que te preze,
Que cante os teus louvores.
O tempo não respeita a formosura;
E da pálida morte a mão tirana
Arrasa os edifícios dos Augustos,
E arrasa a vil choupana.
Que belezas, Marília, florescerão,
De quem nem se quer temos a memória!
Só podem conservar um nome eterno
Os versos ou a história.
Se não houvesse Tasso, nem Petrarca,
Por mais que qualquer d'elas fosse linda,
Já não sabia o mundo se existiram
Nem Laura nem Clorinda.
É melhor, minha bela, ser lembrada
Por quantos hão de vir sábios humanos,
Que ter urcos, ter coches e tesouros
Que morrem com os anos.
Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.