Diálogo num país qualquer

Imagem da poeta Jacinta Passos

Poema de Jacinta Passos



- Demorei muito, não foi, mulher?
E o menino, como vai o menino?

- Vai assim como Deus quer.
Você arranjou o dinheiro?

- O dinheiro da receita?

- Sim. Coitado de meu filho, ficou sozinho o dia inteiro,
doente como está.
Fui ver se dava um jeito.
Fui na casa do padrinho,
que me deu umas frutas - fruta está tão caro -
para a dieta dele, coitadinho.
E a receita, como é?
- Não arranjei, não.
Ia falar com o gerente
para ver se me adianta algum dinheiro.
Mas estavam todos na reunião.
Sabe que a guerra já esta perto da gente?
- E para que fizeram reunião?
- Foi uma espécie de comício.
O diretor fez um discurso,
disse que a hora é grave, que exige sacrifício.
A pátria está ameaçada.
Cada homem deve dar até a própria vida
para defender o que é nosso,
para defender a pátria estremecida.
- E ele disse o que é pátria?

- Disse que pátria é tudo o que nós temos.
É a nossa terra
e tudo de bom que esse nome encerra.
É o alimento que nos vem do solo,
é o pão,
a água que bebemos,
o fogo que nos aquece,
a casa onde vivemos.
- Pátria é tudo o que nós temos.
Meu filho doente,
sem remédio,
sem alimento,
sem um cobertor para a hora do frio.
Água comprada por três mil réis a lata.
Fogo no candeeiro de gás que a vizinha emprestou.
O dono da casa exigindo o aluguel.
Será que a gente tem mesmo pátria, Manuel?



Fonte: "Jacinta Passos, coração militante", Editora EDUFBA, 2010.
Originalmente publicado em: "Nossos Poemas", Editora Bahiana, 1942.