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Poema de Júlia Cortines
Que te perdoem aquelas para quem
As tuas imprevistas covardias
Não trocaram os risos de alegrias
Pelo cáustico riso de desdém.
Que, num enlevo, e próximas de ti,
A vista mergulhada em tua vista,
Não olvidaram toda a luz que exista,
Todas, por vê-las rutilar aí;
E não viram um súbito negror
Lhes envolver a plácida existência,
Como um véu tenebroso de demência,
Extinto o brilho desse resplendor.
Que te bebendo a fresca vibração
Da sonorosa e musical garganta,
Não sentiram, como eu, uma onda santa
De bem refrigerar o coração;
E desse bem tão passageiro após,
Da cólera e do amor a luta aberta,
As incertezas todas que desperta
A treda melodia dessa voz
Que não chamaram a tua alma irmã,
Por crê-la grande, varonil e nobre,
Sem ver que tinhas um disfarce sobre
Tua alma vulgaríssima e vilã.
Que não te confiaram do porvir
A florida grinalda da esperança,
E, qual vi, não na viram, sem tardança
A um sopro de teus lábios ressequir.
Perdoem. Mas eu, que tudo dei-te, não.
Em derredor da minha mocidade
Abriste a pavorosa vacuidade.
- Nunca meus lábios te perdoarão.
Fonte: "Versos; Vibrações", Academia Brasileira de Letras, 2010.
Originalmente publicado em: "Versos", Tipografia Leuzinger, 1894.