Versos de um suicida
Poema de Júlia Cortines
Para que serve a luta pela vida,
Para que serve essa peleja inglória,
Se trazemos a fronte dolorida
Sob os louros sangrentos da vitória?
Se o espaço é um brônzeo círculo oprimente,
E do tempo arrastamos as cadeias
Entre agudos sarçais, inutilmente,
E movediços cômoros de areias?
Se as flamas radiosas dos talentos
Só iluminam cárceres de dores,
Donde das Mágoas erguem-se os lamentos,
E dos Ódios, os rábidos clamores?
Onde a Dúvida anseia; o Desvario
Geme; o Desejo a Tântalo semelha;
O Pranto desenrola o quente fio;
A Raiva impreca; a Súplica ajoelha?
Se a Traição, que se rebuça e adorna,
Assalta, como a víbora secreta,
O nosso coração, e nele entorna
Todo o veneno de que está repleta?
Se a Esperança, que além das permitidas
Alturas leva o seu voar insano,
Tomba, por fim, como Ícaro, fundidas
As asas pelo sol do desengano,
Que a vida assola, que lhe dá o aspecto
De lúgubre e aflitiva soledade,
Todas as flores desfolhando, exceto
A flor da melancólica saudade!
Melancólica flor! Tanto germina
Na estreita fenda de uma rocha ingrata,
Como sobre a tristíssima ruína
As suas roxas pétalas desata!
Vale a pena morrer: fugir do mundo
Às trilhas de selvática aspereza,
E mergulhar de novo no profundo
Abismo da profunda natureza.
Que, se a Morte não pode a humana essência
Erguer, voando, à abobada sidérea,
Ao menos nos dará a inconsciência
E o repouso no seio da Matéria.
Fonte: "Versos; Vibrações", Academia Brasileira de Letras, 2010.
Originalmente publicado em: "Versos", Tipografia Leuzinger, 1894.