Rio Vermelho

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Poema de Cora Coralina



I

Tenho um rio que fala em murmúrios.
Tenho um rio poluído.
Tenho um rio debaixo das janelas 
da Casa Velha da Ponte.
Meu Rio Vermelho.

II

Águas da minha sede...
Meus longos anos de ausência
identificados no retorno:
Rio Vermelho - Aninha.
Meus sapos cantantes...
Eróticos, chamando, apelando,
cobrindo suas gias.
Seus girinos - pretinhos, pequeninos,
inquietos no tempo do amor.
Sinfonia, coral, cantoria.
Meu Rio Vermelho.

III

Debaixo das janelas tenho um rio
correndo desde quando?...
Lavando pedras, levando areias.
Desde quando?...
Aninha nascia, crescia, sonhava.

IV

Água - pedra.
Eternidades irmanadas
Tumulto - torrente.
Estática - silenciosa.
O paciente deslizar,
o chorinho a lacrimejar
sútil, dúctil
na pedra, na terra.
Duas perenidades -
sobreviventes
no tempo.
Lado a lado - conviventes,
diferentes, juntas, separadas.
Coniventes.
Meu Rio Vermelho.

V

Meu Rio Vermelho é longínqua
manhã de agosto.
Rio de uma infância mal-amada.
Meus barquinhos de papel
onde navegavam meus sonhos;
sonhos navegantes de um barco:
Pescadora, sonhadora
do peixe-homem.

VI

Um dia caiu na rede
meu peixe-homem...
todo de escamas luzidias,
todo feito de espinhos e espinhas.

VII

Rio Vermelho, líquido amniótico
onde cresceu da minha poesia, o feto,
feita de pedras e cascalhos.
Água lustral que batizou de novo meus cabelos brancos.



Fonte: "Meu livro de cordel", Global Editora, 2012.
Originalmente publicado em: "Meu livro de cordel", Editora Cultura Goiana, 1976.