Namoro a cavalo


Poema de Álvares de Azevedo



Eu moro em Catumbi: mas a desgraça,
Que rege minha vida maldada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
Só para erguer meus olhos suspirando

A minha Dulcineia namorada.
Alugo (três mil réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
A minha namorada na janela...

Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado...
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito... mas furtado. 

Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a comédia - em casamento...

Ontem tinha chovido... Que desgraça!
Eu ia trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando... uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama...

Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...

Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...

O cavalo, ignorante de namoro,
Entre dentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...

Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode...
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.

Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...



Fonte: "Lira dos Vinte Anos", Editora Martins Fontes, 1996.
Originalmente publicado em: "Lira dos Vinte Anos", 1853.