Ruína

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Poema de Júlia Cortines


Ontem, ereta e altiva, a laranjeira,
Que ora revejo, desatava a bela
E tremulante e verde cabeleira,
Que de flores Setembro adorna e estrela,
Acalentando às sombras perfumadas
Com doce embalo, músicos carinhos,
Um bando azul de aspirações aladas
Ainda presa ao calor dos ninhos.

Ontem sorria ao sol; tinha os perfumes
Promissores de frutos saborosos;
O indeciso bater de asas implumes,
Que se abririam em audaciosos
Voos, transpondo céleres a raia
De largos, infinitos horizontes,
Que, como um lago azul, se estende, e esmaia
Além das curvas dos longínquos montes...

Mas veio a noite, e veio a tempestade:
O chicote do ríspido nordeste
Estala-lhe no tronco, sem piedade
Dilacerando-lhe a opulenta veste!
E ei-la em farrapos, trêmula, torcida...
O clarão de um relâmpago se ateia,
O raio estoura, a chuva desabrida
Em torno dela em córregos serpeia...

E agora que a manhã desperta, e rindo
Soabre o cortinado do Oriente,
E co’o rútilo olhar aclara o infindo
Azul do céu, macio e transparente,
Ela, nua, de pé, para os espaços
Brunidos pelas cóleras do vento,
Ainda eleva os retorcidos braços,
Em um gesto de súplice lamento!



Fonte: "Versos; Vibrações", Academia Brasileira de Letras, 2010.
Originalmente publicado em: "Versos", Tipografia Leuzinger, 1894.