Sonho da boêmia
Poema de Castro Alves
I
Vamos, meu anjo, fugindo,
A todos sempre sorrindo,
Bem longe nos ocultar,
Como Boêmios errantes
Alegres e delirantes
Por toda a parte a vagar.
II
Há tanto canto na terra
Que uma vida inteira... encerra...
E que vida!... Um céu de amor!
Seremos dois passarinhos...
Faremos os nossos ninhos
Lá onde ninguém mais for.
III
Uma casinha bonita,
Lá na mata que se agita
Do vento ao mole soprar,
Com as folhas secas da selva
Com o lençol verde da relva
Oh! quanto havemos de amar!
IV
De manhã, inda bem cedo,
Hás de acordar, anjo ledo,
Junto do meu coração...
Ao canto alegre das aves
As nossas canções suaves,
Quais preces se ajuntarão.
V
Passearemos à sesta
Sonharemos na floresta,
Sempre felizes, meu Deus!...
N'alguma lânguida esteira
Quanta cantiga faceira
Ouvirei dos lábios teus...
VI
E à noite no mesmo leito
Reclinada no meu peito
Hei de ouvir os cantos teus...
Por cada estrofe bonita
No teu seio, que palpita,
Terás cem beijos... Por Deus!
VII
Farei poesias ou versos
Aos teus olhinhos perversos,
Aos teus pesinhos, meu bem!
Tu cantarás, ó Manola,
Aquela moda espanhola
Que tantos requebros tem!
VIII
Depois... que lindas viagens...
Veremos novas paisagens,
No sul, no norte, onde for...
Voando sempre, querida,
Co'a primavera da vida,
Co'a primavera do amor...
IX
Vamos, meu anjo, fugindo,
A todos sempre sorrindo
Bem longe nos ocultar.
Como Boêmios errantes
Que repetem delirantes
"P'ra ser feliz basta amar!"
Fonte: "Obras completas", Livraria Francisco Alves, 1921.
Originalmente publicado em: "Espumas flutuantes", Camillo de Lellis Masson & C., 1870.