Variação
Poema de Cora Coralina
O mar rolou uma onda.
Na onda veio uma alga.
Na alga achei uma concha.
Dentro da concha teu nome.
Pisei descalça na areia
toda vestida de algas.
Tomei o mar entre os dedos.
Ondas peguei com as mãos.
O mar me levou com ele.
Palácio vi das sereias.
Cavalo‑marinho montei,
crinas brancas de seda,
cascos ferrados de prata,
escumas de maresia.
Na garupa do meu cavalo,
levo meu peixe de ouro.
Comando a rosa dos ventos
e não me chamo Maria.
Na serenata do sonho
ouvi um sonido de estrelas.
Discos de ouro rolando
trazendo impresso teu nome.
Você passava, eu sorria
escondida na janela,
cortinas me disfarçando.
Num tempo era menina.
Num instante virei mulher.
Queria ver sem ser vista.
Ser vista fingindo não ver.
Fugi tanto que o encontrei
no relance de um olhar.
Pelos caminhos andamos
no tempo de semear.
A vida é uma flor dourada
tem raiz na minha mão.
Quando semeio meus versos,
não sinto o mundo rolando
perdida no meu sonhar
nos caminhos que tracei.
Meus riscos verdes de luz,
caminhos dentro de mim.
Estradas verdes do mar,
abertas largas sem fim.
Por esses caminhos caminho
levando feixes nas mãos.
Trigo, joio - não pergunto
o fim do meu caminhar.
Cirandinha vou cirandando,
marinheiro de marinhar,
o mar é longo sem fim.
Meu barqueiro, meu amor,
bandeiras do meu roteiro.
Meu barco de espuma do mar.
Onda verde leva e traz,
cantigas de marinhagem.
Vou rodando. Vou dançando,
tecendo meu pau de fita.
Sementes vou semeando
nos campos da fantasia.
Vou girando. Vou cantando
e… não me chamo Maria.
Fonte: "Meu livro de cordel", Global Editora, 2012.
Originalmente publicado em: "Meu livro de cordel", Editora Cultura Goiana, 1976.